terça-feira, 18 de março de 2008

Eu posso ver o que você sente, de Hugo Pierot :: texto de Thaïs Dahas

Eu vejo em ti aquela mulher que traz a mesma expressão desde o amanhecer. A imagem do teu rosto, da ambigüidade daquilo que tu nunca realmente sentes, não muda com o passar do tempo. Não há cansaço na tua imagem, mesmo que tenha estado assim, contraída, o dia inteiro. O vermelho-verde-azul da tua pele faz teu movimento estático, como se ainda pulsasse vida, numa imagem que nunca de fato vivera. O claro e o escuro passeiam pelo teu rosto, faixas horizontais de luzes e de escuridão que parecem rastrear cada célula dessa mulher-imagem expressiva que não desaparece da minha frente. Eu sinto que até terias algo a dizer, algo alegre ou triste, mas a palavra ficou por ser dita, presa nesse teu defeito de transmissão. Teu sorriso triste, teu semblante (in)feliz tem a duração de um dia, um dia inteiro na vida de moradores que te ignoram, que só queriam de volta o real movimento da mulher que é você e das tantas outras mulheres que a máquina oferece todos os dias. Mas eu busco você, ali parada – eu me interesso por você. Teu lamento sonoro, eletrônico, parece ter fim quando a escuridão te acaricia e cobre tua boca, fazendo você se calar – mas a dor ainda reside no teu silêncio. Eu não sei bem o que tu sentes, nem sei o que sentir contigo diante de mim, assim, com algo por fazer mas que nunca é feito, algo por dizer, que nunca é dito, com uma expressão por se definir. Esse teu não-ser, triste ou feliz, o teu mistério – tu só podias ser mulher nesse teu existir congelado e quente. E é o teu defeito que me encanta. Você não se deixou transmitir.

Thaïs Dahas

quinta-feira, 13 de março de 2008

Cinecaolho :: segunda, 17 de março de 2008

O Cinecaolho da próxima segunda segue exibindo curtas produzidos por aqui. Serão exibidos 4 curtas:


EU POSSO VER O QUE VOCÊ SENTE, de Hugo Pierot | digital | 8 min | 2008



SIMONE, de Ítalo Rodrigues | digital | 3'28" | 2007 | Simone atravessa a cidade à noite. Ítalo a acompanha e não lhe fala. Simone se faz íntima num monólogo interrompido por esquinas e dúvidas.



UM FILME DE CINEMA D'OS ICONOCLASTAS, de Ítalo Rodrigues | digital | 1'58" | 2007 | Um boneco tenta dar lições a um jovem poeta enquanto um iconoclasta tenta-lhe abrir os olhos lhe indicando um livro para leitura.



ZENNER SARTE & OS ICONOCLASTAS, de Ítalo Rodrigues | digital | 10'44" | 2007 | Enquanto comem, os iconoclastas reunidos discutem problemas do terceiro mundo ao som de um telejornal: a mulher que colecionava lixo, a menina que matou os pais etc. Zenner Sarte dá seu testemunho e conta sua experiência com os AA’s.

terça-feira, 11 de março de 2008

terça-feira, 4 de março de 2008

Sobre Casa da Vovó, filme que será exibido segunda no Cinecaolho


Casa da vovó de Victor de Melo


I
Like a Virgin


Eu tive o grande privilégio de ser um dos primeiros a ver e escutar o filme de Victor de Melo! Eu não digo isso pra me gabar, mas para melhor tentar exprimir o que foi estar diante daquelas imagens e sons nunca antes vistos, pois essa é a sensação que o filme causa (imagine o primeiro espectador de Chaplin ou o primeiro espectador de Pedro Costa).
No cinema estamos sempre diante do já visto (pelo diretor, sua equipe, pelo próprio cinema, etc.), então como aconteceu de eu estar diante do nunca antes visto? O que modificou o meu olhar, o que conseguiu transformar meu olhar calejado em olhar virgem?



Existe uma busca (uma convicção) por pureza em cada imagem e som, pois este é o único jeito possível pro cineasta ligar a câmera na casa da vovó e registrar as pessoas, as fotos, os objetos que a habitam, de outro jeito seria insuportável, imoral. Esta busca é uma declaração que diz: “eu não posso fazer qualquer coisa dentro desta casa, eu não posso transformar o meu conhecimento desta casa em mesquinhez e exploração gratuita. Toda imagem diante de mim deve gritar sua presença, superar-me, tirar-me do já visto”.
O olhar de Victor de Melo diz “Não!” até que tudo o convença do contrário.

II
Tão longe tão perto


Logo no começo do filme tem um momento com uma garotinha sentada em uma cama choramingando que sintetiza muito bem o espaço que o filme ocupa dentro da casa. Ela sabe que está sendo filmada e por isso ela está tímida, apesar de estar sentindo uma tristeza irreprimível. Mas enquanto ela chora acontece uma tomada de consciência e o seu choro diante da câmera se torna uma pergunta. A câmera transforma a vida em pergunta. O filme registra uma tomada de consciência da garotinha que termina com um sorriso no canto da boca. Nós vemos que a distância da câmera é justa, pois existe um espaço (um lugar ausente de intenção) para a garota se sentir sozinha o suficiente e viver o que ela ainda não sabe e ao mesmo tempo existe uma presença estranha ali que torna aquele espaço do outro em espaço de jogo. O movimento que acontece nessa cena é perigoso, qualquer erro pode causar uma morte, mas o filme opta pela vida, pois o filme sabe que vida e arte são a mesma coisa.

III
Épico


Casa da vovó dura um pouco mais de vinte minutos. Na superfície (o que já é muito) vemos um curta e um documentário sobre uma casa e as pessoas que habitam essa casa (em todos os tempos), mas se olharmos com mais cuidado, com um olhar mais microscópico, o que vemos é um filme de enormes proporções que transborda o quadro e o campo com eventos cinematográficos. Existem inúmeras narrativas para nós seguirmos e muitas histórias para nós acompanharmos. A cada plano uma coisa nova se apresenta. A cada plano um mundo. E ainda tem a relação entre os planos. A cada escolha de montagem uma nova significação. O filme vai do singelo ao duro ao sombrio ao nostálgico à contemplação ao lúdico ao crítico... e em momento algum o filme deixa de fluir e de ser coerente em seu percurso complexo (com exceção talvez da cena do jogo de futebol com uma mulher limpando a casa).
Casa da vovó comprova e resolve a necessidade que o gênero documentário tem de se expandir pra continuar sendo possível como forma genuína de cinema.
Cinema direto épico
Em sua Forma ideal. A vida captada sem mediações. O cineasta está presente, sentimos a sua presença durante o filme. Ele observa e é observado. Não existe fingimento em nenhuma parte. É tudo direto, sem constrangimento. É como se ele estivesse trabalhando nesse filme desde sempre: não há diferenciação entre a casa e a presença do cineasta.

IV
A rotina tem seus encantos...


...mas deixa marcas. Onde estão essas marcas? Cézanne via o fogo nas montanhas, o que esconde as paredes da casa da vovó? Um passado, mas que desde já não é mais passado, pois perdura nas marcas. Quem é o homem que só aparece nas fotos? Ele está morto? Ele é um espírito? Não sei. Ele é um mistério. Ele é marido, pai, avô e bisavô. Ele nos escapa, é uma figura transcendental. É o ícone da construção. Ele é o reflexo das pessoas que habitam a casa.
Revelação
Por tudo que Ele e a casa escondem o filme se esforça em revelar, em tornar visível. Para quem? Para nós, mas também para o cineasta que tem um trabalho exaustivo e exigente a fazer. Quem constrói agora é o cineasta, e em toda humildade o cineasta sabe disso, pois à medida que ele constrói e nos leva passo a passo neste percurso intenso ele também esconde certos traços e certos gestos que nós precisamos ver, mas não vemos, pois estamos diante do indizível, do poético (no caminho contrário da linguagem e no caminho contrário da informação).

V
Multimídia?


O filme rodado em vídeo caseiro é também permeado por fotos, televisão e rádio, mas isto não quer dizer muita coisa já que todos os formatos servem a uma causa: registrar o que sentem as pessoas da casa. Uma foto não é uma mídia, é um lugar que tem profundidade física e emocional. A televisão e o rádio, no que concerne ao filme, também são lugares que ocupam um espaço forte dentro da casa. Exemplo perfeito disso é a cena em que a mulher ajoelhada em uma privada reza ao som de um pastor no rádio. No início pensamos que é uma mulher querendo vomitar, mas ela está tão estática e de costas para a câmera que passamos a duvidar do que vemos. Chega um momento em que admitimos para nós mesmos que o que acontece ali é de fato uma reza. Quanta heterogeneidade! O que torna especial esse momento é a vó que passa em frente à câmera bloqueando por um pequeno momento a nossa visão da mulher que reza. Quanta Heterogeneidade! E ao terminar a reza ela volta a limpar a privada dando a nós um momento epifânico (e quem quis ajoelhar e rezar agora era eu). Heterogêneo sim, multimídia não.

VI
Conclusão

O filme passa por muita coisa e não é a minha intenção esgotar o assunto aqui, mas que fique registrado aqui o meu espanto ao assistir as imagens e escutar os sons do filme realizado (desejado) por Victor de Melo. Um filme complexo, cheio de nuances e muito profundo (ainda mais levando em conta a idade do realizador). Victor me deu mais um par de olhos. Eu o agradeço.


Ricardo Pretti

A volta do Cinecaolho: Segunda-feira, 10 de março de 2008




Depois de um longo tempo parado, o Cinecaolho está de volta. Na segunda, dia 10, exibiremos dois curtas produzidos recentemente em Fortaleza:


FICAMOS FELIZES COM SUA MARCANTE PRESENÇA NESSE MOMENTO TÃO ESPECIAL DE NOSSAS VIDAS, de Pedro Diógenes | digital | 20min | 2008

CASA DA VOVÓ, de Victor de Melo | digital | 24min | 2008


Após a exibição dos dois curtas haverá debate com os realizadores.

O Cinecaolho é um cineclube organizado por alunos da Escola de Audiovisual e acontece todas as segundas no Cine Benjamim Abraão, na Casa Amarela, às 19h. A entrada é gratuita.