sábado, 15 de setembro de 2007

Amantes Constantes, de Philippe Garrel


Uma rápida leitura de “Amantes Constantes” por Luiz Pretti

O filme de Phillipe Garrel está em cartaz no Espaço Unibanco do Dragão do Mar desde sexta-feira passada e provavelmente sairá de cartaz hoje (uma semana depois de sua estréia). Portanto quem viu teve sorte e quem não viu dançou (a não ser que baixe o filme na internet). Dito isso, podemos começar a pensar justamente na importância desse filme ter entrado em cartaz aqui em Fortaleza e no que isso implica. O fato de ter sido o primeiro filme do Garrel a ter entrado em cartaz, inclusive no Brasil, e sendo ele um cineasta de mais de trinta anos de carreira, podemos primeiramente constatar que existe um problema sério de acesso a um certo tipo de cinema e que isso empobrece o nosso campo referencial. Mas parando com reclamações (ou começando outra?), é mais importante pensarmos no que significa para nós assistirmos a este filme. Aqui entramos num problema que, de certa maneira, é extra-cinematográfico: o problema “vida”. Até que ponto a vida que levamos consegue absorver a três horas de um filme não só altamente reflexivo, mas extremamente crítico e que exige uma postura crítica (atenta) do espectador? A resposta é simples: uma semana em cartaz com uma sessão por dia e a sala do cinema vazia, ficando mais vazia ainda ao final da projeção. Em última instância é sobre isso que o filme fala. Não existe mais espaço para essa arte em nossas vidas.
Por outro lado, o filme nos permite respirar, um respiro profundo, um ar que nos enche de vida e nos dá a esperança de que ainda é possível um olhar, ou melhor, os olhares. Eu digo os olhares pois, são eles que povoam o filme e são eles que enriquecem o filme de uma tal maneira que fica impossível apreendê-los num primeiro instante. Porém há uma certa decupagem dentro do filme que evidencia a relação profunda entre os pontos de vista na diegese e fora dela. O olhar nos norteia a tal ponto, que a própria câmera se torna um olhar que se torna o nosso olhar. E qual é esse olhar? É o olhar inquieto que reconhece que existe um fora de campo, mas que não consegue agarrá-lo. O olhar é fugidio e indomável. Então a escolha do Garrel na construção de sua decupagem e da sua montagem é absolutamente genial, pois o trabalho dele é menos em cima de tempos mortos do que de tempos reflexivos. E é justamente na duração do plano onde se faz a crítica. O casal se olhando, os drogados olhando, a câmera olhando é na verdade o tempo que Garrel nos dá para olharmos a nós mesmos e olharmos para o filme dele de forma crítica. É esse tempo reflexivo que possibilita estarmos tão envolvido com o filme (não existe um distanciamento do ponto de vista da câmera) e ainda assim sermos capazes de criticar o que num último momento seria a nossa própria intimidade e a nossa relação com o mundo que nos envolve.
Nesse sentido é um filme que se abre muito para a vida e a sua complexidade. É um filme triste, melancólico, mas não é só isso. É um filme sobre a solidão (certamente a solidão que o próprio Garrel sente como cineasta). É um filme sobre a morte de uma geração (muito bem posta na cena em que o viadinho pira e não tem ninguém olhando pra ele. De novo a questão do olhar). Mas é também um filme sobre a necessidade de realizarmos obras independente de o mundo querer ou não as obras que temos para oferecer. É onde eu penso: se não querem eu vou enfiar goela abaixo. Portanto, sim a vida é uma merda e as nossas vidas não conseguem mais abarcar um filme como esse, mas isso não é razão para deixarmos de fazer o que queremos (aqui falo como cineasta) e acreditar que ainda existe uma brecha na qual podemos nos inserir.



Luiz Pretti

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Cinecaolho :: Segunda 17 de Setembro

Nessa segunda-feira, o Cinecaolho segue a programação de curtas produzidos no Ceará.

KOKORONOIRO
de Fred Benevides
Ficção, 2007, 20min

NO CAMINHO DE CASA
de Ythallo Rodrigues
Video-fotografia, 2007, 3min

AUSÊNCIA
de Ythallo Rodrigues
Video-fotografia, 2006, 3min

MARAHOPE 14/07
de Alexandre Veras, 2007, 15min

Após a exibição dos filmes haverá um debate com os realizadores.

O Cinecaolho é um espaço alternativo de exibição, organizado pelos alunos da Escola de Audiovisual de Fortaleza e idealizadores do blog Cahiers du Ceará.

Local: Cine Benjamin Abrãao, Casa Amarela Eusélio Oliveira, 2591 - Benfica
Entrata gratuita.

Crítica :: Poeta de Sete Faces, de Paulo Thiago

A verdade que falta sentida na pele
por Ythallo Rodrigues

Fora há alguns anos, morando ainda no Cariri, quando ouvi falar deste filme, “Poeta de Sete Faces”, de Paulo Thiago (diretor de “Policarpo Quaresma: Herói do Brasil”). Estudante de literatura brasileira que era e completamente apaixonado pela poesia do poeta itabirano, Carlos Drummond de Andrade. Ainda sem nenhuma intencionalidade maior pela arte audiovisual, fiquei instigado com a possibilidade de poder ver retratada na telona a poesia do grande poeta. Infelizmente, este filme não chegou ao cinema da minha cidade, como quase todos os filmes brasileiros (mas isso é um outro problema). Eis que hoje, cinco anos depois e estudante de cinema em Fortaleza, tenho a possibilidade de ver este filme.
Pois bem, comecemos do início. Este filme não poderia ser mais decepcionante (para não falar trágico), no que concerne aos aspectos poéticos e principalmente aos cinematográficos. Um documentário que em sua sinopse se diz um documentário poético, deveria no mínimo presar pela poesia de suas imagens e de seu som. No entanto, o que vemos é uma seqüência infame de narrações, depoimentos, imagens redundantes, reconstituições, entre outras obviedades, que tornam cada fato narrado absurdo, aliás, se fosse pelo menos absurdo teria uma carga poética, talvez a palavra exata seja pífio. O filme tenta a todo custo se agarrar aos textos do poeta, que a todo momento são lidos, muitas vezes e inclusive pela metade, e ao melodrama de uma possível vida simples, na qual Carlos Drummond de Andrade se acobertou por toda sua existência.
Em certo momento de sua carreira Charles Chaplin disse: “A beleza é a única coisa preciosa da vida. É difícil encontrá-la – mas quem consegue, descobre tudo.”. É patente a sensação de que o cineasta – do também ruim Policarpo Quaresma – neste filme, não encontrou ou sequer tentou encontrar a beleza magnífica nos versos do poeta de sete faces. Tudo no documentário é de plástico, sem alma e sem verdade poética ou cinematográfica, percebe-se isso mais nitidamente na forma como os grandes atores Othon Bastos, Paulo Autran, Paulo José, entre outros, recitam os poemas, é tão fake que jamais condensariam naquelas palavras jogadas ao vento e de tal forma, a sensibilidade poética drummondiana. Sem contar os indefectíveis cenários que reforçam ainda mais a sensação de veleidade das imagens.
Mas quando tudo parece perdido vem o pior, existem dois momentos que são, absolutamente, memoráveis (no mal sentido). O primeiro é logo no início do filme quando o guitarrista Samuel Rosa toca e canta flutuando sobre um croma bizarro, o magistral “Poema de Sete Faces”, e pior a música que foi composta e acompanha as imagens é no mínimo tosca. É impossível, sendo um observador um pouco atento e minimamente sensível, não perceber o nível de distorção audiovisual que esta cena causa, é uma verdadeira aberração e no meu ver um desrespeito a uma obra emblemática da nossa literatura.
Por fim, a seqüência final. São imagens em câmera lenta de belíssimas mulheres fazendo cooper no calçadão de Copacabana, que não deixam nada a dever a uma propaganda da campanha contra diabetes, no entanto essas imagens ilustram a narração da última fase poética de Carlos Drummond, na qual o poeta fez poemas eróticos e de elogios carinhosos às mulheres, segundo a narração.
Enfim, nestas minhas observações, posso estar parecendo pretensioso falando palavras tão severas sobre um filme de um cineasta brasileiro com vários longas-metragens em seu currículo e tal, no entanto, devo admitir que não preciso insistir em achar algo de interessante na filmografia deste cineasta brasileiro.
Ythallo Rodrigues

Como ser um Gênio :: Flávio Simões

Pra ser um Gênio é preciso acreditar na mentira
E disfarçar a verdade
É preciso escolher os meninos certos
Pois eles são a garantia da autenticidade

Pra ser um Gênio é preciso roubar
E manter-se autônomo
Na corda bamba dos gostos
Até descobri-se um dono

Pra ser um Gênio é preciso convencer sem falar
Enxergar com os ouvidos e escutar com os olhos
É preciso misturar os ingredientes
À tinta e a óleo

Pra ser um Gênio necessita-se de uma fina ironia
Não necessariamente com uma rima
Mas acima de tudo não esquecer
Das covas rasas dos leões

Pra ser um Gênio é preciso inventar o inevitável
Mergulhar no destino em busca do acaso
É preciso ser misterioso
Recitar palavras mágicas
E por fim, fazer um pacto com Satanás

É isso, não é tão difícil assim ser um Gênio
Basta apenas algumas palavras escritas num papel
Agora preciso ir...
Boa sorte, vou encontrar-me com Papai Noel.


Flávio Simões

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Cinecaolho :: Segunda 10 de Setembro

O Cinecaolho - para quem não conhece, cineclube realizado toda segunda pelos alunos da Escola de Audiovisual de Fortaleza - segue com a exibição de curtas produzidos no estado:

Porto de Jangadas
Direção: Déo Cardoso
2006

Às vezes é melhor lavar a pia do que a louça, ou simplesmente Sabiaguaba
Direção: Luiz e Ricardo Pretti
2006
Seleção oficial do Festival de Oberhausen, na Alemanha, 2007
Crítica de Marcelo Ikeda no link:
http://www.secult.ce.gov.br/clipping/clipping.asp?codigo=3923


Lembrando que o Cinecaolho está temporariamente sendo realizado no Cine Benjamin Abraão, na Casa Amarela Eusélio Oliveira: Av. da Universidade, 2591 - Benfica

Crítica :: 95 Cabeças, de Gabriel Silveira :: Antes do Sangue, de Thaïs Dahas









95 cabeças e Antes do Sangue

Dois trabalhos compostos de imagens eletrônicas passaram no Cinecaolho no dia 3 de setembro para alguns “privilegiados”. Eu fui um desses privilegiados que me arrisquei e fui assistir a dois trabalhos no mínimo interessantes, feito por jovens que vivem em Fortaleza, mas habitam o mundo (característica predominante, talvez, em toda a minha geração, que nasceu no começo dos anos 80).
Foi muito oportuno poder ver os dois filmes seguidos um do outro, pois eles dialogam em vários aspectos, mas também divergem em outros. Os dois filmes estão claramente inseridos na tradição das vanguardas cinematográficas que dialogam com as outras artes e que buscam novas formas de percepção da imagem (como quis os textos de Jean Epstein). Mas enquanto 95 cabeças destrói o realismo da imagem, e expõe de maneira sutil o seu dispositivo (efeito-câmera – em um celular?) concluindo que toda imagem não transcende do lugar de onde ela é criada, Antes do Sangue parte para um reencontro com a imagem realista a partir da rarefação da imagem eletrônica em p&b.
Se 95 cabeças dialoga com Brakhage é só na superfície, pois enquanto Brakhage procura um primeiro olhar (apesar de fantasmagórico), anterior à Linguagem, 95 cabeças procura o fim do olhar, posterior a todas as tentativas de Linguagem. Eu poderia não olhar para aquelas imagens (?) em 95 cabeças, mas eu insisto em olhar e é aí que reside a sua força. 95 cabeças não acredita na possibilidade de uma representação, não é só a história que não existe, mas também a própria narrativa. Se existe uma narrativa ela é constantemente deslocada, pela evidência de que a imagem não existe mais, ou não quer existir. Mas algo continua existindo. O quê? Não são fragmentos da realidade e nem distorções do olhar, o que resta é a duração. A duração se força ali em cada imagem e cada som e ao final do filme eu saio com a sensação de que eu vivenciei uma duração que toma conta do meu espírito (da minha percepção) e torna o mundo não num discurso, mas em um pensamento, e nesse sentido 95 cabeças é um trabalho militante (no bom sentido da palavra, sem demagogias, por favor!) que talvez retome uma atitude auto-crítica que lembre os filmes do grupo Dziga Vertov, apesar desse trabalho ainda manter uma relação muito inocente (a-crítica) com a imagem.
Antes do Sangue poderia ser uma homenagem ao cinema de Jean Cocteau, Maya Deren e Luís Buñuel, e o é até certo ponto. As imagens de Antes do Sangue são auto-reflexivas, através dos jogos de espelhos (reflexo do reflexo...) e da transparência (não no sentido Baziniano) de sua enunciação (sabemos como o trabalho foi feito através do próprio filme). Em Antes do Sangue quase não existe um enunciado e nesse sentido ele se distancia dos cineastas acima citados, pois eles trabalhavam com a descontinuidade dos enunciados cinematográficos e não com a sua rarefação. As imagens que vemos são estáticas e as telas pretas confirmam esse estado, mas um elemento (o som!!!) transgride essa inércia e desmistifica a própria auto-reflexividade criando mais uma camada de auto-reflexividade e assim dando espaço pra vertigem e pra fissura. Estamos no ponto de encontro entre a realidade e o sonho, entre o feio (a imagem pobre construída por reflexos) e o belo (a intensidade de um sentimento intraduzível: a mulher). O impossível e o possível se desejam mutuamente. Eu, particularmente, me encanto com Antes do Sangue pela sua simplicidade intensa, e porque existe um pensamento sobre o estatuto da imagem. Eu não acho que seja um filme pessoal (até porque existe a participação “subterrânea” de Guto Parente, o namorado da realizadora), talvez um filme de casal, mas também não. Eu acho que seja um filme arquetipal (seja lá o que isso for).
(Obs.: note que eu só utilizei o termo filme no final do texto.).

Ricardo Pretti