quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Crítica :: 95 Cabeças, de Gabriel Silveira :: Antes do Sangue, de Thaïs Dahas









95 cabeças e Antes do Sangue

Dois trabalhos compostos de imagens eletrônicas passaram no Cinecaolho no dia 3 de setembro para alguns “privilegiados”. Eu fui um desses privilegiados que me arrisquei e fui assistir a dois trabalhos no mínimo interessantes, feito por jovens que vivem em Fortaleza, mas habitam o mundo (característica predominante, talvez, em toda a minha geração, que nasceu no começo dos anos 80).
Foi muito oportuno poder ver os dois filmes seguidos um do outro, pois eles dialogam em vários aspectos, mas também divergem em outros. Os dois filmes estão claramente inseridos na tradição das vanguardas cinematográficas que dialogam com as outras artes e que buscam novas formas de percepção da imagem (como quis os textos de Jean Epstein). Mas enquanto 95 cabeças destrói o realismo da imagem, e expõe de maneira sutil o seu dispositivo (efeito-câmera – em um celular?) concluindo que toda imagem não transcende do lugar de onde ela é criada, Antes do Sangue parte para um reencontro com a imagem realista a partir da rarefação da imagem eletrônica em p&b.
Se 95 cabeças dialoga com Brakhage é só na superfície, pois enquanto Brakhage procura um primeiro olhar (apesar de fantasmagórico), anterior à Linguagem, 95 cabeças procura o fim do olhar, posterior a todas as tentativas de Linguagem. Eu poderia não olhar para aquelas imagens (?) em 95 cabeças, mas eu insisto em olhar e é aí que reside a sua força. 95 cabeças não acredita na possibilidade de uma representação, não é só a história que não existe, mas também a própria narrativa. Se existe uma narrativa ela é constantemente deslocada, pela evidência de que a imagem não existe mais, ou não quer existir. Mas algo continua existindo. O quê? Não são fragmentos da realidade e nem distorções do olhar, o que resta é a duração. A duração se força ali em cada imagem e cada som e ao final do filme eu saio com a sensação de que eu vivenciei uma duração que toma conta do meu espírito (da minha percepção) e torna o mundo não num discurso, mas em um pensamento, e nesse sentido 95 cabeças é um trabalho militante (no bom sentido da palavra, sem demagogias, por favor!) que talvez retome uma atitude auto-crítica que lembre os filmes do grupo Dziga Vertov, apesar desse trabalho ainda manter uma relação muito inocente (a-crítica) com a imagem.
Antes do Sangue poderia ser uma homenagem ao cinema de Jean Cocteau, Maya Deren e Luís Buñuel, e o é até certo ponto. As imagens de Antes do Sangue são auto-reflexivas, através dos jogos de espelhos (reflexo do reflexo...) e da transparência (não no sentido Baziniano) de sua enunciação (sabemos como o trabalho foi feito através do próprio filme). Em Antes do Sangue quase não existe um enunciado e nesse sentido ele se distancia dos cineastas acima citados, pois eles trabalhavam com a descontinuidade dos enunciados cinematográficos e não com a sua rarefação. As imagens que vemos são estáticas e as telas pretas confirmam esse estado, mas um elemento (o som!!!) transgride essa inércia e desmistifica a própria auto-reflexividade criando mais uma camada de auto-reflexividade e assim dando espaço pra vertigem e pra fissura. Estamos no ponto de encontro entre a realidade e o sonho, entre o feio (a imagem pobre construída por reflexos) e o belo (a intensidade de um sentimento intraduzível: a mulher). O impossível e o possível se desejam mutuamente. Eu, particularmente, me encanto com Antes do Sangue pela sua simplicidade intensa, e porque existe um pensamento sobre o estatuto da imagem. Eu não acho que seja um filme pessoal (até porque existe a participação “subterrânea” de Guto Parente, o namorado da realizadora), talvez um filme de casal, mas também não. Eu acho que seja um filme arquetipal (seja lá o que isso for).
(Obs.: note que eu só utilizei o termo filme no final do texto.).

Ricardo Pretti

4 comentários:

Anônimo disse...

eu só não sei com relação à tela estática que você fala que existe no antes do sangue. ela até pode ser estática, mas ao meu ver é uma tela que pulsa e que mergulha. e a tela preta mostra isso. eu acho que é um jogo de tensão entre o interior e o exterior e é nessa tensão onde reside a fissura. tem um plano no final do filme que sintetiza bem o que eu estou dizendo. é um plano em que vemos a câmera refletida no espelho e a imagem entra e sai de foco (típico do foco automático). esse efeito que normalmente incomodaria no filme da thais toma um outro sentido que é justamente o da imagem que pulsa. é uma imagem que não se decide, assim como o filme não decide entre o interior e o exterior - tela preta e imagem refletida no espelho - vozes (que parecem vir de dentro de algum lugar) e silêncio.

abs.
luiz

Anônimo disse...

Esses trabalhos estão na internet para q os menos privilegiados possam assistir ? Abraços

Guto Parente disse...

Pedro, vamos conversar com os realizadores para que disponibilizem os filmes na internet.
Abraço

Anônimo disse...

muitas coisas se escondem na escuridão de uma tela negra...